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Projeto de lei reabre debate sobre dislexia

Um projeto de lei que tramita na Câmara Municipal de São Paulo reacendeu uma discussão que divide médicos, psicólogos e fonoaudiólogos. Proposto pelo vereador Juscelino Gadelha (PSDB), o texto cria um programa para diagnosticar crianças com dislexia na rede municipal de ensino.

Aprovado em primeira instância, o projeto foi feito em parceria com entidades como a ABD (Associação Brasileira de Dislexia). Como reação, especialistas de instituições como o CRP (Conselho Regional de Psicologia), a USP (Universidade de São Paulo) e a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) criaram um manifesto contrário, que, até ontem, tinha 1.785 assinaturas.

Eles defendem que o conceito de dislexia é polêmico e que o que costuma ser diagnosticado como distúrbio neurológico genético, na verdade, não o é. "O que está confirmado é a perda do domínio da linguagem escrita após uma lesão. Mas a dislexia como um problema neurológico da criança com dificuldade para ler e escrever nunca foi comprovada", diz a pediatra Maria Aparecida Affonso Moysés, professora da Unicamp.

Segundo ela, o problema tem a ver com fatores externos. "Pode ser uma educação inadequada, uma criança muito pressionada ou sem limites. E a escola brasileira tem muitos problemas, é cômodo pôr a culpa no aluno e estigmatizá-lo."

Moysés cita ainda diferenças no ritmo do aprendizado de cada um. "Quem destoa do padrão é colocado como doente."

Ela critica o fato de muitas crianças disléxicas tomarem remédios, não para dislexia --não existem--, mas para TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade), que muitas vezes acompanha o diagnóstico. Segundo Abram Topczewski, neuropediatra do hospital Albert Einstein e vice-presidente da ABD, 75% dos disléxicos têm déficit de atenção e 35%, hiperatividade.

Para quem defende o projeto, não há dúvidas da existência da dislexia. Foi criado outro manifesto, com 1.163 assinaturas até ontem, a favor do texto.

Pesquisas

Segundo Topczewski, estudos provam que se trata de um distúrbio neurológico, ligado a alterações anatômicas no cérebro. "Exames de ressonância magnética também encontram alterações localizadas, e estudos genéticos mostram cromossomos envolvidos." Segundo a ABD, de 5% a 17% da população mundial é disléxica.

Topczewski diz que as pessoas com dislexia já nascem com o problema e que, quando um dos pais é disléxico, a probabilidade de o filho ter o problema é de 40%.

A explicação de Carla Angelucci, membro da diretoria do CRP, que assina o manifesto contra o projeto, é outra. "A dislexia é mais comum entre meninos pobres. Muitas vezes, os pais também tiveram pior escolarização e não conseguem ajudar os filhos nas dificuldades escolares", diz ela, que considera o projeto parte da "medicalização" de questões sociais.

Rosemari Marchetti, presidente da ABD, afirma que o contexto escolar e social é levado em conta --para descartar a dislexia. Ela defende a necessidade de diagnosticar precocemente o distúrbio. "São crianças com inteligência normal, mas chamadas de burras. Muitas são derrotadas pela auto-estima", diz ela, que descobriu ter dislexia já adulta, ao receber o diagnóstico do filho.

O diagnóstico de Celso Barbosa, 11, veio cedo: aos seis anos. "Ele não conseguia decorar o alfabeto, juntar as palavras, mas era esperto, eu sabia que não era déficit intelectual", diz a mãe, Clarice Barbosa.

Após tratamento com fonoaudióloga e psicóloga, Clarice vê melhora. "Ele percebia que era diferente, ficava encolhido. Hoje, tira boas notas."

Antes da segunda votação do projeto de lei, os dois grupos organizarão um seminário na Câmara para discutir o tema.

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