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[Cinema] Um Faz de Conta que Acontece

Ao contrário do que os trailer e a divulgação de Um Faz de Conta que Acontece (Bedtime Stories, 2008) sugerem, o filme não é o Uma Noite no Museu de Adam Sandler. As histórias de ninar de Idade Média, gladiador, Velho Oeste e aventura espacial que o personagem de Sandler conta para seus sobrinhos não invadem a realidade, como num Zathura, mas a influenciam.

Não convém explicar aqui de que forma essa influência acontece (preservemos o mínimo de surpresa que uma comédia-família previsível dessas pode oferecer), mas vale dizer que a vida de Skeeter Bronson (Sandler), peão faz-tudo no gigantesco hotel que seu finado pai ajudou a construir, muda completamente no momento em que sua irmã (vivida brevemente por Courteney Cox) deixa seus dois filhos para Skeeter cuidar.

É a mesma fórmula de O Paizão e correlatos: adulto arruma um jeito de corrigir sua vida depois de ter contato com crianças, que o fazem relembrar de como ele era feliz na infância. Um Faz de Conta que Acontece não tem sobressaltos nesse sentido, e no fim das contas quem vai às comédias infantis mais inofensivas de Sandler - não aos desvarios como Little Nick - já sabe o que esperar com razoável segurança.

O que chama atenção em Um Faz de Conta que Acontece, e que deve passar desapercebido pela maioria do público, é como os excessos - da direção de Adam Shankman, do roteiro, da atuação de Sandler - perigam a todo momento sabotar um filme cuja empatia com o público depende justamente da falta de ousadia.

Em outras palavras (e elas podem soar estranhas), a comédia incomoda porque, desajeitada, não se contenta em fazer o feijão-com-arroz.

Peguemos, por exemplo, as duas cenas-chave em que Sandler ganha a chance de virar gerente do hotel e, depois, em que deve expor seu plano para a gerência. Na primeira, Shankman coloca os três personagens principais do filme no escuro - eles conversam, discutem um pedaço fundamental da trama, sem que consigamos ver seus rostos. Em seguida, no clássico discurso emotivo do herói, Sandler simplesmente balbucia com a língua pra fora (uma abelha picou-lhe a boca, enfim, isso não vem ao caso) e não dá pra entender nada do que ele diz. Numa hora, não o vemos. Na outra, não o ouvimos. O que deu em Shankman pra investir nesse bizarro esvaziamento dramático? Partindo do pressuposto de que esse esvaziamento é proposital, claro...

Há outros ruídos. Por exemplo: filmes como Um Faz de Conta que Acontece partem de uma situação ruim para os personagens "do bem" (situação essa que eles superam até o final, claro), mas não pode ser nada muito trágico ou depressivo a ponto de descaracterizar o filme como uma comédia. Pois aqui a personagem de Courteney Cox perde o emprego (ela deixa os filhos com o irmão para atravessar o país atrás de oportunidade) e no final - cuidado com o spoiler agora, caso você se importe - ela não conquista o emprego de volta! Pelo contrário: todo mundo festeja a vitória de Sandler sobre o hotel mas as crianças ainda assim vão ter que se mudar para os cafundós do meio-oeste dos Estados Unidos porque a crise do emprego bateu-lhes a porta. Que diabo de redenção é essa?

Há outros momentos incômodos - a forma como Teresa Palmer é coisificada (bibelô desfilando biquinis em filme infantil?), a total falta de sentido da cena em que Russell Brand enfia as fritas na testa, sem contar aquele porquinho-da-índia desesperador... - mas só esses dois casos expostos nos dois parágrafos acima já bastam para tornar Um Faz de Conta que Acontece um programa esquizofrênico, oposto ao cômodo cinema enlatado que dele se esperava.

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