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"Os homens que mudam de sexo ficam em desvantagem"

Em entrevista a ÉPOCA, a pesquisadora Kristen Schilt, da Universidade de Chicago, afirma que o preconceito contra as mulheres transexuais no ambiente de trabalho reflete a discriminação contra o sexo feminino.


Kristen Schilt
Ser homem é uma vantagem no trabalho

A professora Kristen Schilt, da Universidade de Chicago, tinha como objetivo desmascarar o preconceito contra as mulheres, ainda latente mesmo no século 21. Para deixar evidente a discriminação no mercado de trabalho, ela usou a experiência de transexuais: o que aconteceria com um homem no mercado de trabalho se ele mudasse de sexo? O exemplo é útil porque representa apenas uma mudança - a de gênero - em meio a fatores fixos, como formação e competência profissional. Por um método inovador, a pesquisadora chegou a uma conclusão já esperada: a de que as mulheres levam desvantagem na carreira. Confira, abaixo, a entrevista que a pesquisadora concedeu a ÉPOCA.

ÉPOCA – A senhora utilizou os transexuais como uma ferramenta para analisar as relações de gênero no ambiente de trabalho. Acha que essa estratégia foi eficiente ou acabou esbarrando no preconceito apenas contra os transexuais?
Kristen Schilt - É difícil separar essas duas coisas. As reações sobre transexualidade são reações sobre o gênero. Uma das mulheres transexuais com quem conversei me disse que, ao contar sua intenção no trabalho, um colega perguntou por que ela gostaria de ser uma cidadã de segunda classe. Ele disse isso tanto pelo fato de ela ser uma transexual, mas também pelo fato de se assumir mulher.

ÉPOCA – A conclusão de seu estudo é de que os homens transexuais têm ganhos de salário e autoridade, e as mulheres transexuais têm perdas financeiras e de autoridade.
Kristen - Primeiro é preciso deixar claro que os homens transexuais nem sempre tiveram experiências positivas. Mas, comparados com as mulheres transexuais, eles geralmente se saem melhor. Aparentemente há menos resistência e mais abertura para os transexuais no ambiente de trabalho. Em meu estudo, pelo menos, eles não tiveram grandes perdas. Não é que eles passaram a ganhar mais, mas não ficaram em desvantagem da forma que as transexuais femininas ficaram.

ÉPOCA – Vocês detectaram que, na média, os transexuais femininos fazem a transição de gênero 10 anos mais tarde que os transexuais masculinos. O que isso quer dizer?
Kristen - Há várias razões, mas a principal é que na sociedade americana há um pouco mais de espaço para mulheres que querem adotar uma conduta masculina. Se já é chocante a mudança de sexo em uma sociedade com preconceitos velados, um homem querer ser mulher é algo mais chocante ainda. Por isso, penso que as mulheres transexuais encontram mais oposição, elas têm perdas maior e, por isso, costumam esperar mais. Especialmente em empregos especializados, existe uma idéia geral de que talvez eles não serão capazes de mantê-los após a transição para o sexo feminino. Eles esperam ou adiam por causa das possibilidades de perda de salário, de autoridade e até do próprio emprego. No entanto, cedo ou tarde fazem a transição.

ÉPOCA – Eles relataram alguma mudança nas habilidades para realizar o trabalho após a mudança de sexo?
Kristen - Eu não acredito que as habilidades mudam. As pessoas acreditam que as habilidades tenham mudado. Uma transexual feminina que escreve programas de computador me contou que um colega pergunto se ela ainda sabia programar. As pessoas pensam que as capacidades mudam porque o sexo muda. Mas o capital humano não é algo que se perde.

ÉPOCA – Que tipos de experiências negativas os transexuais relataram ter vivido no ambiente de trabalho?
Kristen - As transexuais femininas muitas vezes perdem o emprego de anos por causa da transição. Não perdem por causa da mudança de sexo, mas por pequenas questões que nunca haviam sido um problema. As pessoas passam a julgá-las mais. Apesar de velado, sabemos que o problema não é o desempenho no trabalho, mas a transexualidade. Algumas vezes os colegas são abertos e dizem que o transexual não é mais bem-vindo no ambiente de trabalho.

ÉPOCA – E o que os homens transexuais relatam?
Kristen - Eles disseram que alguns colegas demonstram incômodo, mas a resistência é menor. Nós últimos tempos, conversei pessoalmente com 65 transexuais masculinos no Texas e na Califórnia. As experiências contadas foram relativamente positivas. Aqui nos EUA ser homem é uma vantagem no trabalho.

ÉPOCA – Quais outras conclusões você pode tirar de seu estudo?
Kristen - Uma coisa que percebi com meus estudos é que, se você quer melhorar o ambiente de trabalho para os transexuais, os empregadores realmente têm um papel-chave. Se um funcionário diz que pretende mudar de sexo, o chefe deve reunir os empregados, afirmar as políticas de boas relações na empresa, ter um amparo psicológico se for preciso e deixar claro que o assédio não vai ser permitido. Quando o empregador diz que não sabe como ajudar, não sabe o que dizer, os colegas que não estão satisfeitos se sentirão livres para expressar isso.

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